quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O ÚLTIMO ABRAÇO

Amiga Van, essa é uma coluna que escrevi no Jornal O Alto Taquari, de nossa cidade. Um abraço para tua família, especialmente para o Adeildo.Xumby.




Perdemos nosso filho Guilherme, vítima da Doença de Wilson, que é o acúmulo de cobre no corpo. Os detalhes da doença serão publicados em outra oportunidade numa matéria mais complexa e com dados médicos mais precisos. Nosso papel como familiares, foi o de conviver com as emoções. E estas foram fortes, muito fortes! Descrevo a seguir, uma passagem que aconteceu no Hospital São José, de nossa cidade, durante seus últimos dias.

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Um momento marcante, talvez o mais significativo (para mim) em meio a esse turbilhão de emoções, fatos e conseqüências, aconteceu na noite de 14 de agosto de 2.013, quarta-feira, por volta das 23 horas. Estava preparando-me para dormir (já estava deitado no sofá, ao lado da cama do Gui), quando ele me chamou. Sim, eu o entendia perfeitamente, pois como foi citado anteriormente por sua irmã Cissa, ele havia voltado a falar. Quando lhe perguntei o porquê de me chamar, ele disse:

- Me dá um abraço, pai! Bem forte!

Foi um misto de surpresa e alegria, pois era o segundo dia em quatro ou cinco anos em que ele estava falando. Eu ainda não tinha assimilado essa mudança. Continuava sendo uma surpresa.

Levantei e parei a seu lado para analisar a melhor maneira de abraçá-lo, pois ele usava um dreno que saía de seu estômago, e não podia ser deslocado. Além disso, recebia soro por uma fina mangueira que estava fixada em seu pulso por meio de uma agulha, e sua barriga estava muito inchada devido a cirrose causada pela Doença de Wilson.

Tomando os devidos cuidados para não machucá-lo, encontrei uma boa posição para tocá-lo. Foi um abraço leal e verdadeiro, mas também senti que abraçava um filho desesperado, por que na sua lucidez que nunca se apagou, ele pesquisava sua doença na internet, e sabia perfeitamente o que estava acontecendo. Sabia que suas chances eram mínimas. Ou nulas.

Durante o abraço, ele me segurou firmemente e, chorando, falou:

- Tu é meio louco, mas eu te amo! Tu foi bom pra mim!

Não é preciso dizer que as lágrimas verteram “de balde”! Estávamos os dois chorando, como se aqueles fossem os últimos momentos de sua vida. E era, pois nós dois sabíamos da gravidade da situação.

Foi um longo e amargo abraço. Doce e assustador. Como explicar ou definir um momento desses? Acho que somente as lágrimas e o silêncio podem definir... Abraçar um filho que está partindo e ele, em meio às lágrimas, dizer que te ama, rompe até montanhas! Faz a mais dura pedra virar pó! O mais ensurdecedor dos trovões transforma-se no miado de um inofensivo gatinho.

Entre lágrimas e a gagueira da voz balbuciante, olhos nos olhos, quase emudecido, queixo tremendo, passei a mão em seu rosto e lhe disse:

- Eu também te amo, Gui...

E completei, resignado:

- Vamos dormir! Tente descansar...

E assim o Guilherme adormeceu, e eu, numa confusão de sentimentos, tentando absorver aquele momento precioso, também tornei a deitar e, pensativo, demorei mais de uma hora até que também fui derrotado pelo sono.

Guilherme faleceu oito dias depois, aos vinte e dois de agosto, às onze horas e trinta minutos. Sua agonia havia chegado ao fim, mas como ótimo músico que sempre foi, lhe prestamos uma última e justa homenagem: diante de seu corpo, os amigos Vicente Breyer, Cândido Scherer, Cláudia Queiroz e Gilson “Gi” Hoffman, executaram Wish You Were Here (Pink Floyd), Starway To Heaven (Led Zeppelin), Tente Outra Vez (Raul Seixas), É Preciso Saber Viver (Roberto Carlos), e para finalizar, um blues improvisado que afrouxou as pernas de todos que estavam presentes. Foi simplesmente demolidor!

Um momento merecido a quem sempre amou a arte musical. E diria mais: amou de uma maneira como poucas vezes vi. O Guilherme sempre teve a música a seu lado. Nos momentos de solidão e desespero, ele ouvia Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, Yes, Pink Floyd, Jethro Tull, Birth Control, Judas Priest, Iron Maiden, Ozzy, Uriah Heep, Grand Funk Railroad, AC/DC, Star Castle, Raul Seixas, Casa das Máquinas, A bolha, Joelho de Porco, Som Nosso de Cada Dia, e mais uma infinidade de bandas, de preferência, as dos anos setenta. Era também apaixonado pela música clássica, e qualquer canção executada com piano.


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Nesses oito anos e meio em que travamos essa guerra contra a Doença de Wilson, muitos foram os momentos que merecem registro, mas, sem dúvida, o último abraço foi inexplicável! Jamais sairá de minha mente. Jamais...


Um beijo no seu coração, meu filho.


...snif, snif...

Wanderley Theves (Xumby)

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