terça-feira, 25 de agosto de 2009

ORAÇÃO A DEUS SOBRE A TOLERÂNCIA


Já não é aos homens que me dirijo, é a ti, Deus de todos os seres, se é que é permitido a criaturas frágeis perdidas na imensidão, e imperceptíveis ao resto do universo, atreverem-se a pedir-te alguma coisa, a ti que tudo deste, a ti cujas leis são imutáveis como eternas. Tem piedade dos erros que fazem parte da nossa natureza: que esses erros não sejam as nossas desgraças.
Não nos deste um coração para odiarmos nem uma mão para degolarmos; faz com que nos ajudemos mutuamente a suportar o fardo de uma vida penosa e passageira; que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem o nosso corpo débil, entre todas as nossas línguas insuficientes, entre todos os nossos hábitos ridículos, entre todas as nossas leis imperfeitas, entre todas as nossas opiniões insensatas, entre todas as nossas situações tão desproporcionadas aos nossos olhos e tão iguais aos teus; que todas essas pequenas diferenças que distinguem os átomos chamados homens não sejam sinais de ódio nem de perseguição...
Que todos os homens possam lembrar-se de que são irmãos! Que tenham horror à tirania exercida sobre as almas, assim como detestam a depredação que arrebata pela força o fruto do trabalho e da indústria tranqüila!
Se as calamidades da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos destruamos uns aos outros no seio da paz, e utilizemos a nossa existência para abençoarmos igualmente, em mil línguas diferentes, do Sião a Califórnia, a tua bondade que nos concedeu nesse instante!

“Tratado da Tolerância” de Voltaire, 1763

OLHAI OS LÍRIOS DOS CAMPOS




Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arrannha-céus se não há mais almas humanas para morar neles? (...)

É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu, (...)

É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência, e sim com as do amor e da persuasão, (...)

Quando falo em conquista, quero dizer a conquista duma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.

Érico Veríssimo. Olhai os lírios do campo.
80.ed.São Paulo: Globo.1999

sábado, 22 de agosto de 2009

RESPOSTA DUM HOMEM DO MUNDO DE 1978: JÚLIO ROBERTO




Ao ler a carta do Chefe Seattle, talvez muitas pessoas tenham formulado no pensamento,uma forma de resposta, principalmente porque os fatos ocorreram e se precipitaram no rumo da destruição. Uma resposta, pelo menos foi escrita. É quase um lamento pelo homem, sua terra, seu destino.

Amigo Seattle:
Li a sua carta escrita em 1854 ao grande Chefe Branco de Washington. Sou um homem de 1978 que vive num mundo, como tu previste, em decadência e destruição.

Já não ouço o sussurrar do vento nem a discussão noturna das rãs nos charcos da selva. Já nem temos selva.

As flores murcharam, ás arvore agonizam, os pássaros fogem e os insetos deixam de zumbir.

Bem sei que sou um homem enjaulado numa cidade e tu vivias nas pradarias, lá os bisontes e noitibós te alimentavam o corpo e a alma.

Os rios, para ti sagrados, são hoje para mim apenas uma viagem de infância. Neles em vez de peixes fazendo corridas e acrobacias, eu vejo o lixo da nossa civilização, os detritos deste mundo, as opulências mortas de uma humanidade que se afunda vertiginosamente na era do plástico.

Olho as estrelas e o luar. Parecem mais distantes do que são, e os meus olhos desabituados já de os observar, cansam-se facilmente. Não tenho, como tu tinhas, esse poder de olhar de frente o sol, de receber a sua luz e o seu calor sem me cegar.

As águias, vi uma ou outra, como se fossem já animais pré-históricos, aturdidas e confusas, sem perceber o que fizemos desta Terra.

Meu amigo Seattle, a tua carta é já de agora.
Tu não tiveste automóvel, nem indústrias, nem chauffage, nem televisão, nem jornais, nem os bens da civilização. Não soubeste o que é voar num avião a jato, a 1000 km por hora. Também não tinhas pressa.
Não soubeste o que é ir à Lua. Também não precisavas.
Não soubeste também, de certeza, o que é procurar na noite o repouso cansativo duma diversão barulhenta a que chamam de música, é onde a angustia é a única sensação que fica. Tu sabias lá o que era angústia.
Vivo na cidade, nestes monstros de pedra, ruas, barulhos e gente aos gritos, a correr e a atropelar-se, para, ao que dizem, ganhar a vida. Certamente tu dirias para a perder.

Mesmo aquela relva que, às vezes, ainda havia nas cidades, vai desaparecendo. 
As árvores que já depois de tu escreveres a tua carta, ainda enfeitavam os lados das ruas, vão desaparecendo. Sabes por quê? Porque é preciso alargar as pistas para os automóveis, pois, segundo dizem, circular é viver.

E o mar, esse, sobretudo o que vinha dantes banhar as nossas praias e namorar a areia branca, vem agora suja-la, com o lixo que lhe deitam dentro. Tem um ar triste, de um mendigo que,as vezes, se revolta e destrói as grandes construções dos nossos engenheiros.

Ah! Meu querido amigo selvagem! Como eu, que não vivi no seu tempo, nem das tuas pradarias, tenho saudade da tua Terra sagrada, (...)


Apud: Poema ecológico. Lisboa, Edições Itau, 1978


sábado, 15 de agosto de 2009

Amigo do sol,amigo da lua - Benito Di Paula




Amigo do Sol, Amigo da Lua
Benito Di Paula
Composição: Benito Di Paula / Márcio Brandão

E ê criança presa ê, brinquedos de trapaças

Quase sem história pra contar
Você criança tão liberta me tire dessa peça,
E assim ter história pra contar
Estrela que brilha em meu peito e me leva pro céu
Em cantos cantigas canções de ninar
Me deixa no galho no galho da lua
No charme do sol pra me despertar

Estrela que brilha em meu peito e me leva pro céu
Encantos cantigas canções de ninar
Me deixa no galho no galho da lua
No charme do sol pra me despertar

Vem amigo nadar nos rios
Vem amigo plantar mais lirios
No vale no mato e no mundo vamos brincar
Vem amigo nadar nos rios

Vem amigo plantar mais lirios
No vale no mato e no mundo vamos brincar

Carta do Chefe Seattle



Em 1855, o Presidente dos Estados Unidos da América propôs ao chefe Seattle, comprar a terra dos índios, para acabar de vez por todas com os litígios entre brancos e índios. Esse texto é a resposta dada pelo chefe índio ao presidente americano.

(...) Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou ainda o calor da terra? Tal idéia é desconhecida para nós. Se não somos dono da frescura do ar nem do fulgor das águas, como podereis comprá-los? Cada parcela desta terra é sagrada para o meu povo
Cada brilhante mata de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada inseto é sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que circula nas veias das árvores leva consigo a memória dos Peles Vermelhas

As flores perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos; as rochas escarpadas, os úmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencemos à mesma família. 

(...) Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são portadores das nossas canoas e alimentam os nossos filhos.

(...) Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele não sabe distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um estranho que chega de noite e tira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga e, uma vez conquistada, ele segue o seu caminho, deixando atrás de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso! Trata a sua Mãe, a Terra, e o seu irmão, o Firmamento, como objetos que se compram, se exploram e se vendem como ovelhas ou contas coloridas.

O seu apetite devorará a terra deixando atrás de si um deserto. 

(...) Só de ver as vossas cidades entristecem-se os olhos do Pele Vermelha. Mas talvez seja porque o Pele Vermelha é um selvagem e não compreende nada. Não existe um lugar tranqüilo nas cidades do Homem Branco, não há sítio onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como esvoaçam os insetos. 

(...) Depois de tudo, para que serve a vida se o homem não pode escutar o grito solitário do noitibó nem as discussões noturnas das rãs nas margens de um charco? Sou Pele Vermelha nada entendo.

Nós preferimos o suave sussurrar do vento sobre a superfície de um charco, assim como o cheiro desse mesmo vento purificado pela chuva do meio dia ou perfumado como o aroma dos pinheiros.

O ar tem um valor inestimável para o Pele Vermelha, uma vez que todos respiramos o mesmo ar. O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira; como um moribundo que agoniza durante muitos dias é insensível ao mau cheiro. 

(…) Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida.
Tenho visto milhares de bisontes apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da janela de um comboio em andamento.

Sou um selvagem e não compreendo como é que uma máquina fumegante pode ser mais importante que o bisonte que nós só matamos para sobreviver.Que seria dos homens sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem.

Tudo está ligado. Deveis ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam, são as cinzas dos nossos avós. Inculcai nos vossos filhos que a terra está enriquecida com as vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinai aos vossos filhos aquilo que nós temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa Mãe. Tudo quanto acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, cospem em si próprios.

(…) Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra.

(…) Isto sabemos. Tudo está ligado. O homem não teceu a rede da vida, ele é só um dos seus fios. Aquilo que ele fizer à rede da vida ele o faz a si próprio.

Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala com ele de amigo para amigo, fica isento do destino comum. Por fim Talvez sejamos irmãos.
Veremos isso.
Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus.(…)

Apud: Poema Ecológico. Carta do Chefe Seattle em 1854 ao Grande Chefe Branco de Washington. Lisboa, Edições Itau, 1978[fragmentos]