domingo, 7 de setembro de 2008

O outro Brasil que vem aí




Gilberto freire

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.

O mapa desse Brasil
em vez de cores dos estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil
em vez de cores das três raças
terâo as cores das profissões e regiões.

As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.

Todo brasileiro poderá dizer:
é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas
o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo,
e não apenas o branco e o semi branco.
Qualquer brasileiro
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funuleiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo Brasil
que tenha olhos para ver o brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor
que saibam lidar com o barro forte
e o novo dos Brasis
mãos de engenheiro
que lidem com ingresias e tratores europeus
e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis
(que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
Mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas,pardas, roxas,morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestre guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de douores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas
chamadas comadres dos homens
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
Sindicais
fraternais
Eu ouço vozes
eu vejos as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí

Poema escrito em 1926
e publicado no livro Poesia Reunida Recife:
Editora Pirata, 1980.



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